Entrevista
Karina Buhr
Em entrevista, Karina Buhr fala sobre mulheres na música e liberdade feminina
11:41Sonora
Multiartista reservou seu tempo para conversarmos sobre rivalidade feminina, luta diária, machismo enraizado e os padrões impostos pela sociedade
![]() |
(Foto: José de Holanda) |
Karina Buhr sempre me remeteu a
amarras no chão e sangue quente no corpo. Passei muito tempo assistindo coisas
dela na MTV que passavam, por vezes, batidas por mim, sem senso crítico. Quando
adolescente eu absorvia muito e pensava pouco. Mal absolutamente pessoal –
felizmente.
Há
um tempo, coloquei pra tocar e entender. Karina esquenta meu sangue com a mesma
intensidade. Foi por esse calor que se aliou a uma força sobrenatural que me fez procura-la para falar sobre mulheres
na música.
Preparamos
as perguntas. Enviamos, torcemos e vivemos uma ansiedade jornalística quase que
inocente em ver tudo respondido e pronto para ser usado.
![]() |
(Foto: Priscilla Buhr) |
Enquanto
esperava voltar o arquivo, passei por alguns posts no Facebook falando sobre o machismo enraizado e notei “eu sou
mulher e sou machista, há tanto pra descontruir”. Mas a rotina é árdua, o
relógio desperta e amanhã às seis eu já estou no metrô. Ficou por aí o
pensamento, mas não por muito tempo...
As
respostas chegaram. Eu não ganhei uma matéria. Ganhei uma aula.
Karina
conquistou e ensinou tanto em dúzias de linhas que o espaço não deveria ser
esse, deveria ser um outdoor, deveria estar em um a cada dez muros das ruas
estampados com frases absolutamente decididas de uma mulher que entendeu.
![]() |
(Foto: Priscilla Buhr) |
A cantora tem o olhar marcante, exala arte nas
expressões e é dona de “Selvática”,
disco lançado em 2015 que ecoa liberdade. Li em alguns lugares por aí, na época
do lançamento, que ele tinha uma urgência, que era punk. Karina
Buhr é punk, mas eu
não tô falando de sonoridade, eu tô falando de essência.
Baiana, ela construiu seu último trabalho de um
jeito quase místico. Um começo suave em “Dragão”
e desvencilha, grita, arde, urra, em cada faixa. Karina fala para o mundo, abre
os olhos e o peito (seu e dela). A viagem é intensa, Elke Maravilha narra versos na faixa que encerra a desventura
tropical da cantora e compositora na faixa título.
A força exponente do disco é exibida numa esperança visceral e transgressora em cada verso que chegou pelo e-mail de Karina. “Eu só vivo porque coloco em prática o feminismo a cada dia da minha vida, enfrentando tudo pra isso”, conta.
A força exponente do disco é exibida numa esperança visceral e transgressora em cada verso que chegou pelo e-mail de Karina. “Eu só vivo porque coloco em prática o feminismo a cada dia da minha vida, enfrentando tudo pra isso”, conta.
Repelindo padrões
Quando
falamos de mulheres na música,
automaticamente setorizamos. Quê? Como assim? Bom, “mulher na música é vista como segmento e não como gente. E aí
o que recebemos é migalha da indústria
e ditadura de padrões impostos. Se você
se enquadra nesse ou naquele padrão legal pra uma mulher você precisa até
atingir esse ou aquele lugar. Mas ainda assim você será reconhecida ‘entre as
mulheres’, como parte de um subgrupo”, ensina Karina.
O ressalte principal de todo o debate é
enaltecido. Todas as mulheres sofrem machismo, não uma vez na vida, no ano, nem
mês ao mês. Estamos falando de uma luta
diária e infinda.
Assista ao clipe de "Mulher do Fim do Mundo" da Elza Soares, indicação de Karina:
Assista ao clipe de "Mulher do Fim do Mundo" da Elza Soares, indicação de Karina:
Luta diária contra o machismo
“Não tem um dia na minha vida que não passe por
isso e jamais deixei de dar importância. Pra mim, desde criança o machismo sempre
foi uma coisa muito clara. O que te fere fundo nunca é desimportante. Inclusive
é bem difícil passar uma semana sem pensar em desistir de tudo, tamanho é o mal
que me causa”.
Rivalidade
feminina
Crescemos sabendo, se ela for mais bonita, é inimiga. Se for
mais magra, se tiver o cabelo mais brilhoso, se aquele cara olhar pra ela
enquanto fala de você, é inimiga. A rivalidade feminina, esta hostilidade entre
mulheres é padrão, não é questionada.
O empoderamento chegou pra falar de união, de sororidade. A
sororidade é uma comunhão entre mulheres, baseada em empatia que serve pra nos
lembrar: Todas sofremos preconceitos e medos por nosso sexo.
![]() |
Foto: Priscilla Buhr |
Karina comenta, “Concorrência natural não existe nem existirá
isso é fruto da cultura do patriarcado. As pessoas competem ou não entre si,
não existe uma competição específica entre mulheres, esse é inclusive um dos
maiores erros e absurdos que nos são impostos”.
Enquanto vivíamos sobre a rivalidade sem questionar, ela desde a
infância estranhava essa situação padronizada entre as meninas. “Sempre senti isso como uma coisa
antinatural, essa concorrência imposta pras mulheres, sempre foi uma mentira. Lembro-me
de eu criança lendo que fulana era “desejada pelos homens e invejada pelas
mulheres”. Isso não existe, nunca existiu, as mulheres se admiram mutuamente e
também se desejam entre si. Essas mulheres que eram ditas invejadas eram e são também
desejadas pelas mulheres”.
Assista ao clipe de "Girls Just Want To Have Fun" de Cindy Lauper, mais uma das indicações de Karina Buhr:
Faça barulho!
Estatísticas. Impactantes, mas reais. Se
a gente precisa de números pra perceber, as estatísticas sobre violência contra
a mulher, não dizem, elas berram.
No 1º semestre de
2016, 12,23% (67.962) das mulheres corresponderam a relatos de violência.
Entre esses relatos, 51,06% corresponderam à violência física; 31,10%,
violência psicológica; 6,51%, violência moral; 4,86%, cárcere privado;
4,30%, violência sexual; 1,93%, violência patrimonial; e 0,24%, tráfico de
pessoas. 3 em cada 5 mulheres jovens já
sofreram violência em relacionamentos, aponta pesquisa realizada
pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular (nov/2014).
Estes foram alguns dos dados disponíveis em Compromisso e Atitude.
Apesar dos gritos das porcentagens, só eles não bastam. É
necessário o barulho das mulheres que sofrem, das mulheres que apoiam. A
liberdade é nossa, ela veio conosco.
![]() |
(Foto: Jose de Holanda) |
A conscientização da limitação imposta pela sociedade
precisa acontecer. Mulheres aprendem a se autorecriminar e por falta de
conhecimento sobre sua própria emancipação, acabam por disseminar discursos de
ódio contra seus próprios corpos, sobre sua própria vida.
“Muitas [mulheres] são vítimas de violência e
silenciadas, mas no fundo de cada uma de nós existe esse lugar onde somos
livres. Falta muito pra virar realidade, ainda muito chão e muita luta. Muitas
mulheres repetem o que aprenderam nessa sociedade e reproduzem loucamente isso
na educação dos filhos, por exemplo. Ressaltando aqui que a grande maioria
educa, por assim dizer, sozinha os filhos. Mas elas também estão sendo de uma
forma ou de outras atingidas por isso”, afirma Karina.
Em uma aula espirituosa,
ela finaliza “O feminismo pra mim não
trata de ídolos, mas de união e dia a dia”.
Assista a "Man Down", a terceira e última indicação de Karina:
Karina desconstruiu cada uma das palavras do que
chegou a sua caixa de entrada, ela desconstruiu junto pensamentos tão naturais
inclusos e resistentes em cada uma de nós.
Cabe agora agradecer!
Acompanhe Karina Buhr.
0 comentários