A Mulher do Fim do Mundo Elza Soares

Em apoteose, Elza Soares se mostra necessária como referência musical

17:22Sonora

Teatro do Sesc Belenzinho foi o palco escolhido para première do clipe de “A Mulher do Fim do Mundo”

(Foto: Letícia Saraiva)

Na semana em que boatos se espalharam dizendo que um asteroide colidiria com a Terra e causaria o fim do planeta, Elza Soares se apresentou, por quatro noites seguidas, no palco do Sesc Belenzinho, na Zona Leste de São Paulo, para marcar o lançamento oficial do clipe de “A Mulher do Fim do Mundo”. 

Os ingressos para os shows se esgotaram em poucos minutos após serem disponibilizados. O teatro parecia pequeno para a grandeza de Elza, que de quinta a domingo lotou os 392 lugares. No último dia de apresentação, marcado para as seis da tarde, pós fim do horário de verão, o público se mesclava entre os admiradores de longa data e jovens que descobriram recentemente a genialidade da Melhor Cantora do Milênio, segundo a rádio BBC de Londres. 

Quando as cortinas se abriram, Elza surgiu apoteótica. Sentada no alto de seu trono, vestindo um collant de couro preto e uma saia que cobria todo o palco, a voz inconfundível arrepiou todos os pelos do corpo com “Coração do Mar”, a primeira faixa do álbum, em versão a capela. Uma luz roxa, da mesma cor das madeixas de Elza, tomou conta do teatro para a interpretação de “A Mulher do Fim do Mundo”. “Eu quero gritos!”, clamava Elza após cantar “O Canal”, seguida por “Luz Vermelha”.


O álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, lançado em 2015, marcou o encontro de Elza Soares com a cena independente paulista. O músico Guilherme Kastrup é o responsável pela estética contemporânea do álbum e os arranjos delicados de cada faixa. As músicas também trazem grande apelo social, e quando interpretadas ao vivo por Elza, ganham mais força.

“Eu sou negra, a minha voz é negra”, disse após interpretar fervorosamente “A Carne”. O show seguiu com “Dança” e “Firmeza?!”, momento em que Elza interage de forma carinhosa com os músicos Rodrigo Campos, Felipe Roseno, Rafa Barreto, Marcelo Cabral e Guilherme Kastrup, que bem entrosados conduzem o show de forma magistral.

Em meio ao clima de descontração, Elza chamou atenção das mulheres em especial. “Têm que estar de olho aberto, prestar bem atenção”, disse para introduzir “Maria da Vila Matilde”. Durante o polêmico relacionamento com o craque Mané Garrincha, Elza foi agredida. Hoje ela mantém as mulheres ligadas e ressalta: “Tem que gritar, porque gemer só de prazer”.


Após cantar “Pra Fuder”, Elza ganha a companhia de Rubi, que interpretou “Benedita” em uma atuação cativante. E, em um dos momentos mais bonitos do show, o cantor goiano subiu até o trono, deitou sua cabeça no colo de Elza e ouviu de perto “Malandro”, canção de Jorge Aragão na voz rouca da cantora.

Os músicos abandonaram seus instrumentos e parte da produção adentrou o palco para se curvar diante do trono da rainha Elza Soares que, novamente a capela, cantou “Comigo”. 

Elza Soares divide o palco com o cantor Rubi (Foto: Letícia Saraiva) 

As luzes que mantinham a iluminação por cima da cantora desceram, e criou-se uma cena minimalista, voltada para a artista. As cortinas se fecharam e o locutor, recitando o poema Metade Pássaro, anunciou o esperado clipe de “A Mulher do Fim do Mundo”.


A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estátuas,
Dá de sonhar aos poetas.

A mulher do fim do mundo
Chama a luz com assobio,
Faz a virgem virar pedra,
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos,
Escreve cartas aos rios,
Me puxa do sono eterno
Para os seus braços que cantam.

Durante o show, em alguma das poltronas atrás de mim, em meio ao silêncio na troca de uma música para outra, um rapaz afoito gritou: “Necessária!”. Eu concordo. Elza Soares, no auge dos 80 anos de idade, com 16 pinos na coluna, não precisa andar sobre o palco ou fazer grandes performances corporais para manter um show de uma hora e meia com fôlego, força e protagonismo. Com “A Mulher do Fim do Mundo”, Elza continua escrevendo sua história de luta e resistência. Elza Soares é necessária.


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