Carne Doce
Carne Doce Princesa
Princesa: o álbum de Carne Doce que tranquiliza os seus anseios e discute questões sociais
06:19SonoraFoto: Divulgação |
Fico imaginando se minhas
confissões sobre a atenção dada de forma atrasada para os lançamentos é vista
como qualidade ou não pelas outras pessoas. Prefiro acreditar que é uma
qualidade mais do que válida na geração do “ouvi, mas não escutei”. Antes
das represálias, considerem que no metrô não se ouve nada direito, tampouco
enquanto se trabalha ou estuda.
Todos os textos têm começado
com “precisei de um tempo para interpretar” ou o escrachado “ainda não tinha
dado a devida atenção”. Me desculpem a sinceridade.
Sim, eu já tinha ouvido “Princesa” no lançamento. Carne Doce está no topo das listas de
um grande número de amigos e isso tornou a banda umas das minhas preferidas
antes mesmo de uma análise dedicada. Mas, precisei de um cuidado e dedicação
maior pra escrever e entender.
Gravado longe de casa, o
segundo disco do grupo goiano passou a ter um sabor de saudade depois que fui sentir
suas diferenças do álbum homônimo de estreia. Mas como li em um texto de
Gabriel Nunes, na Rolling Stone,
não podemos atribuir as diferenças dos trabalhos à geografia da produção.
A figura de Salma Jô que assume os vocais – e que é
acompanhada por Macloys Aquino, João Victor Santana, Ricardo Machado e Aderson
Maia – já transcende por si. Desde minha conversa com
ela – no inicio de março que ficou na gaveta até hoje - percebi o grito que
ainda é uma mulher forte e com conceitos marcados estar atrás de um microfone.
No entanto,
Salma fala sobre a divulgação de “Princesa”
diante desse conceito: “As
mulheres artistas e a expressão feminina estão num momento de valorização.
Virou até mesmo um case de sucesso, um modelo de marketing. Em parte
experimentamos isso quando o "Princesa"
foi divulgado como disco feminista e vimos o assunto ser mais motivo de
contemplação que as músicas em si”. Mesmo diante disso, a representatividade
ainda é algo a ser enaltecido diante da frontgirl.
Foto: Divulgação |
As letras são minunciosamente dedicadas e intensas, ao contraponto de
uma calma que, eventualmente, me desmonta ao longo da audição. As sonoridades
passeiam, voam livremente entre tantos tons, entre tantas referências que ao
chegar na sexta faixa, “Eu Te Odeio”, noto quantas sensações me foram despertadas e comemoro... Ainda há cinco
músicas pela frente.
Os versos se confundem na minha cabeça e eu sinto uma pessoalidade em
cada um deles, ela se mistura com a sensação de que eu poderia encaixar aquilo
em muitos momentos de mim. A identificação com as músicas é algo que sempre me
fascinou. Os sentimentos são únicos, as expressões intensamente pessoais, mas a
música é tão abrangente que pode confortar em uma mesma melodia tantas pessoas
e situações.
Foto: Divulgação |
Concluo, Carne Doce grita
sussurrando. É um voto contra o rock igual, com rifs óbvios. Carne Doce é um
respiro - ainda bem que é MAIS um respiro – de uma nova cena que infla a música
nacional e reage diante dos dedos apontados a um mesmo preconceito babaca sobre
a cultura brasileira. Carne Doce reluz enquanto alguém diz que o gênero virou
careta. Carne Doce brilha e incendeia, mostra a calmaria no caos.
Em entrevista ao O Globo, Salma Jô faz um paralelo com a música
internacional. “O nosso rock é
muito careta, um reflexo da nossa sociedade. Tenho invejinha do pop americano.
A Rihanna pode ser uma maconheira assumida. Isso não existe aqui. A Beyoncé é
pop, mas pode falar de sexo de uma maneira que aqui seria considerada agressiva
e machista. É curioso que celebremos a ousadia quando ela vem nesse pacote estrangeiro,
mas, aqui, corre-se o risco de você ser rotulado como doidão rebelde.”
À medida que eu
vou lendo enquanto ouço no barulho silencioso do meu quarto com sombra do
computador, percebo: a composição das faixas é grandiosa.
A arrogância
masculina fica presente na faixa-título junto a uma sedução; “Sereno” abre mão da locução contínua e
linear e deleita-se por lembranças; “Sombra”
é inteligentemente inspirada em “Sombra
dos Reis Barbudos” – livro de José J. Veiga -; “Amiga” conversa sobre ansiedade e tem cunho autobiográfico; “Eu Te Odeio” é leve com título pesado;
“Carne Lab” é jam bagunçado gravado
totalmente ao vivo em uma experimentação; “O
Pai” escancara questões de tirania; “Artemísia”
é sobre aborto; “Falo” é uma revolta
explanada; “Açaí” fala sobre ser
artista.
Engraçado como o
nome da banda casa com seu conceito de forma tão mística e assertiva.
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